Polêmica: Uso de células-tronco embrionárias em terapia celular

Esta última postagem da série traz as possibilidades de aplicações de células-tronco embrionárias no tratamento de diversas doenças. Além disso, aborda os limites éticos da utilização destas células e as diversas pesquisas realizadas no Brasil e no mundo.

De um modo geral, existem três métodos de obtenção de células-tronco em laboratório para finalidades terapêuticas. O primeiro método é o já explicado na postagem anterior, ou seja, a partir de células-tronco de adulto, como já se faz no transplante de medula óssea ou no tratamento das doenças do coração.
Na segunda possibilidade, está a obtenção de células-tronco embrionárias a partir de um embrião em fase inicial de desenvolvimento, o blastocisto. O uso dessas células, muito comum em pesquisas com animais, tem gerado muita polêmica no caso dos humanos, pois impede o desenvolvimento do embrião. Uma proposta viável seria a utilização dos embriões humanos excedentes produzidos por fertilização in vitro (em laboratório) e que ficam congelados nas clínicas de fertilização assistida. A grande questão é se seria ético utilizar estes embriões para a obtenção de células-tronco que poderão ser usadas na pesquisa de futuras terapias.

A terceira possibilidade seria a obtenção de células-tronco embrionárias geneticamente idênticas às da pessoa que as doou. Esse método de obtenção de células-tronco é popularmente chamado de clonagem terapêutica. Na clonagem terapêutica, um ovócito sem núcleo de uma doadora recebe um núcleo de uma célula somática do indivíduo doador. Se houvesse desenvolvimento embrionário até a fase do blastocisto, as células-tronco poderiam ser retiradas e utilizadas no estabelecimento de linhagens celulares geneticamente idênticas às células do indivíduo doador. As células obtidas desta maneira poderiam ser empregadas no tratamento de doenças sem que haja problemas de rejeição. Embora se utilize a palavra clonagem, isto não significa que se deseja obter um organismo inteiro clonado, mas somente as células-tronco embrionárias da fase do blastocisto. Para a obtenção de um organismo inteiro clonado seria necessário que o embrião, no início do desenvolvimento, fosse implantado no útero de uma mulher. Neste caso, a clonagem seria reprodutiva e não terapêutica. Esse foi o procedimento usado para obtenção da ovelha Dolly, clonada em 1997. Ainda não se obteve sucesso nas tentativas de clonagem terapêutica realizadas em humanos.

Mas, se as células-tronco de adulto podem ser tão versáteis, por que não trabalhar somente com elas e deixar as embrionárias de lado, pois estas estão cercadas de polêmica? A resposta não é simples: as células-tronco de adulto são raras e muito difíceis de serem obtidas nos tecidos onde ocorrem. A sua multiplicação em laboratório é mais vagarosa do que a das células-tronco embrionárias e, em teoria, a sua potencialidade de diferenciação é mais reduzida do que a das células embrionárias, pois já estão em estado mais adiantado de diferenciação celular. Além disso, logo após o seu estabelecimento em laboratório, elas perdem a capacidade de se dividir e se diferenciar. Portanto, ainda não se sabe se as células-tronco de adulto poderão substituir perfeitamente as células-tronco embrionárias.
A situação ideal para a terapia celular seria estabelecer um procedimento para substituir qualquer tipo de tecido lesado ou doente. Para isso, é necessário que se descubra qual o verdadeiro potencial e quais as limitações do uso das células-tronco embrionárias e de adulto. Mas, muita pesquisa é ainda necessária a fim de se conseguir tal processo. Somente após uma discussão séria que envolva a todos os segmentos da sociedade, que deve estar ciente dos riscos e benefícios de tais atividades, podemos chegar a um consenso sobre a utilização responsável e ética dessas células.

No Brasil, o projeto da Lei de Biossegurança, cujos pontos principais são a regulamentação da produção de alimentos transgênicos e da pesquisa com células-tronco embrionárias foi aprovado em 2005. O projeto permite que células-tronco possam ser obtidas de embriões humanos produzidos por técnicas de fertilização in vitro, desde que estejam congelados há pelo menos três anos e que haja consentimento dos casais doadores. Neste caso, as células poderão ser utilizadas para fins de pesquisa de novos tratamentos.

O mais importante a se ressaltar nesse momento é que a permissão para pesquisas com células-tronco embrionárias não significa a obtenção de tratamentos milagrosos a curto-prazo. O que surgiu de novo nos últimos tempos é a esperança de que esse tipo de pesquisa possa apresentar novidades nos tratamentos de doenças até agora incuráveis com os métodos convencionais, como diabetes, doença de Parkinson, doença de Alzheimer, lesões decorrentes de acidentes e um leque de doenças hereditárias em geral não tratáveis.

Mas, o que já foi realizado em terapias com células-tronco?

Algumas tentativas de terapia com células-tronco não embrionárias já foram realizadas em várias partes do mundo. Neurônios obtidos de tecido mesencefálico de fetos foram implantados no cérebro de pacientes com doença de Parkinson. Os neurônios implantados sobreviveram nos receptores, liberaram a dopamina, um neurotransmissor, e melhoraram os sintomas da doença. No entanto, esse tratamento dificilmente será uma rotina pela dificuldade de obtenção de tecidos suficientes para transplantes e por problemas éticos. O ideal seria obter, a partir de células-tronco embrionárias, neurônios diferenciados in vitro que seriam então implantados em pacientes. Estudos recentes mostraram que essa estratégia é viável em camundongos e até mesmo em primatas.

No Brasil, três grupos de pesquisadores do Rio de Janeiro, da Bahia e de São Paulo trabalham para consolidar a possibilidade de que as células-tronco de adulto sejam uma boa opção para tratamento da insuficiência cardíaca grave causada por hipertensão, infartos ou doença de Chagas. Em alguns experimentos, células-tronco da medula óssea foram retiradas por punção e injetadas no próprio coração. Em outros casos, células-tronco hematopoéticas foram filtradas do sangue do próprio paciente para aplicação no local lesado. Um hormônio que estimula a liberação das células–tronco da medula óssea para a circulação sanguínea foi empregado nesses casos para aumentar a concentração de células disponíveis para o tratamento. Alguns dos pacientes tratados desse modo apresentaram melhora do quadro clínico após os experimentos. No entanto, os pesquisadores estão conscientes de que ainda é cedo para assegurar a eficiência dessas técnicas, pois poucos casos foram estudados. Mesmo com resultados de sucesso, certamente, ainda serão necessários alguns anos para que esses tipos de tratamento se tornem disponíveis para todos os pacientes porque ainda estão nas fases iniciais dos estudos clínicos.

No Brasil há equipes trabalhando em tentativas de tratar pessoas afetadas por doenças auto-imunes, como por exemplo, o lúpus eritematoso sistêmico, utilizando células-tronco de medula óssea.

Convém ressaltar que todos os experimentos citados acima se basearam na aplicação de células-tronco de adulto. Nenhum experimento terapêutico foi ainda realizado em seres humanos com células-tronco embrionárias. Apenas animais foram submetidos à experimentação com células-tronco embrionárias.

Mesmo os países que aprovaram a utilização de células-tronco embrionárias em pesquisas sobre tratamento de doenças ainda terão que esperar muito tempo para ver os resultados chegarem à rotina dos tratamentos médicos. Mas, sem dúvida, uma revolução na medicina pode estar se aproximando.

(Células-tronco: o que são e o que serão? Autores: Regina Célia Mingroni-Netto e Eliana Maria Beluzzo Dessen -  GENÉTICA NA ESCOLA - Vol 1 - Nº 1 obtido em http://www.sbg.org.br )

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